Prof. Dr. Ernesto de Souza Pachito

UFES – Universidade Federal do Espírito Santo

RESUMO

O escopo deste trabalho para além da Arqueologia. A questão da leitura do sentido das obras de arte como algo que requer uma hermenêutica cruzada no tempo a partir da leitura de obras de arte. A relativização das cronologias. O conceito de cultura na arqueologia e na antropologia. A questão da História como ciência de dados. O antropólogo trabalhando em conjunto com o arqueólogo. A abordagem sincrônica na História da Arte.

PALAVRAS-CHAVE

ARTE                    SENTIDO          SINCRONIA         CRONOLOGIA        ANTROPOLOGIA

ABSTRACT

The scope of this work going beyond archaeology. The question of reading the meaning of works of art as something that requires a hermeneutic approach across time, based on the reading of works of art. The relativization of chronologies. The concept of culture in archaeology and anthropology. The question of history as data science. The anthropologist working alongside the archaeologist. The synchronic approach in art history.

KEY WORDS

ART                    MEANING                     SYNCHRONY                    CHRONOLOGY   ANTHROPOLOGY

  1. INTRODUÇÃO

Existe uma forma de se atuar na ciência histórica que se baseia na descrição dos fatos ocorridos com uma cronologia o mais precisa possível. Aliás, cabe a pergunta: a História é propriamente uma ciência? Ou um relato? Temos visto nas prateleiras das livrarias inúmeras obras de História cujo texto é bem acessível a leigos. Poucas destas obras arriscam abstrações e, se o fazem, tais abstrações nunca voam muito alto. Isto é trabalho para a Filosofia? Para a Sociologia? Para a Antropologia? Fato é que em tais livros de História os dados suplantam as inferências. Isto nos incomoda bastante, afeitos que somos a abstrações e teorizações.

Em nosso trabalho de docência universitária em História da Arte, sempre “puxamos” para as totalizações, embora estas nunca sejam totais, com o perdão do trocadilho, pois podemos dizer, com Heráclito de Éfeso, que tudo está em constante mudança, parafraseando.

Este texto marca uma virada em nossa pesquisa sobre as similaridades entre as artes orientais e as pré-colombianas. Aqui relativizamos a relevância de alguns resultados da ciência da Arqueologia, usando-os como base para uma hermenêutica do(s) sentido(s) das manifestações artísticas. É uma tarefa que cabe à Antropologia Cultural, à Semiótica, à Crítica de Arte, por exemplo. Um trabalho sobre a superestrutura das civilizações, ou seja, sua cultura, como veremos adiante.

Aqui, a chave é a trama, trama de obras e eventos que se situam em pontos distintos do tempo. Seguimos nessas veredas.

  • A TRAMA: DA ARQUEOLOGIA À ANTROPOLOGIA

Estamos trabalhando numa pesquisa sobre similaridades entre a arte oriental e a arte pré-colombiana. Ela não visa comprovar a influência da arte chinesa, ou indiana, sobre a arte do continente americano antes da vinda de Colombo. Seria muita pretensão de nossa parte, trabalhando à distância, com fontes bibliográficas e de registro visual fotográfico. O trabalho visa a mostrar indícios, ou pistas, para que outros, numa pesquisa de campo ou não, venham encontrar ainda outros indícios, ou determinados fatos, que nos coloquem todos a caminho de, cada vez mais, nos aproximarmos de uma hipótese mais consistente sobre a realidade, suposta, da presença de orientais na América Pré-colombiana e de sua influência artística, caso haja.

Esta não é uma ideia nova, nem é nova a metodologia de se comparar obras de arte para fins de identificação de migrações ou de meras incursões de um povo em um território alheio. Apoiando a tese dessa migração em particular, veja-se Betty Meggers (renomada arqueóloga norte-americana) (MEGGERS, 1979); Wim Borsboom (pesquisador independente, que citamos em nosso artigo “A  Arte como indicadora de  um possível contato entre Ásia, Oceania e América Pré-colombiana”, presente no nosso livro Do Originário e do modernismo: Estudos em arte indiana, pré-colombiana e futurismo (PACHITO, 2025, p. 11-67). Quanto a Boorsbom veja-se “Mesolithic-Neolithic Seafaring Migrations from the Indus Valley into North and South India, Europe, China, the Pacific Archipelagos and South America”. (PDF) Mesolithic-Neolithic Seafaring Migrations from the Indus Valley into North and South India, Europe, China, the Pacific Archipelagos and South America (2015) Acesso em 8/09/2025. Veja-se também Paul Rivet (antropólogo francês criador do Musée de l’Homme) (RIVET, 1960).

Repetindo: essa metodologia imagética já é, ou sempre foi, de uso da arqueologia, e aqui ressaltamos: este não é um trabalho de arqueologia, nem mesmo teórica, se isto for possível. É um trabalho de história analítica da arte e de antropologia.

Ainda que possa haver um caminho direto, ou um contato, entre Arqueologia e História da Arte, num nível ainda mais superestrutural há um caminho direto entre história da arte e etnologia.

Não buscamos meramente desvendar a cronologia das representações das culturas que são o escopo desta pesquisa, nem o mapeamento de fatos históricos como causas e consequências de outros fatos históricos. Nossa abordagem não é mecanicista, embora possa parecê-lo em textos por nós já escritos.

As comparações entre elementos simbólicos, ou religiosos, ou de pensamento e visão de mundo, aqui são mais importantes do que as cronologias conforme estabelecidas pela Arqueologia e História, embora estas sejam importantes, ou fundamentais, para o estabelecimento de possíveis contatos nos quais influências culturais ou estéticas puderam ter-se dado. As datas são pontos de partida. O que é propriamente cultural, e etnológico, começa quando a cronologia se detém, mesmo que por pouco tempo, num recorte sincrônico. Em arquitetura não se dispensam os alicerces, mas, em tese e numa primeira visada, estes não são arquitetura.

Veja-se a utilização das palavras <culturais> e <cultural> postas aqui, no parágrafo anterior; elas não se referem ao termo “cultura” da arqueologia. Foi assim que pudemos falar que a cultura olmeca é datada de 1400 a.C. a 400 d.C., quando o consenso é localizar o fim desta “cultura” (em sentido arqueológico) em 400 a.C. Ocorre que a cultura (no sentido antropológico) olmeca influenciou marcadamente as culturas (ainda em termos antropológicos) epi-olmeca e de Izapa, cujas “culturas” teriam declinado em 250 d. C., para a primeira e 1200 d.C. para a segunda. Sobre Izapa, vejamos: “It saw many changes over the centuries, from the Preclassic or Formative to the Postclassic period, that is from 1500 BC till 1200 AD”. Em tradução livre: “[Izapa] teve muitas mudanças pelos séculos, desde o período Pré-clássico, ou Formativo, até o período Pós-clássico, ou seja, de 1500 a.C. a 1200 d.C.” (https://lugares.inah.gob.mx/en/node/4345 acesso em 24/08/2025).

Para melhor identificação, pelo menos no presente texto, escreveremos a palavra “cultura” entre aspas para nos referirmos ao sentido arqueológico do termo, e a palavra cultura, sem aspas, para o sentido antropológico da palavra.

A cronologia, adaptada por nós, da cultura olmeca (como algo que abrangeria, por influência e segundo nosso esquema, a cultura epi-olmeca e de Izapa), vai, assim, de cerca de 1400 a.C. a 400 d.C., quando ocorre a passagem ao período clássico de Teotihuacan, período marcado pelo apogeu desta última civilização.

Esse complexo cultural é um campo de significações e, ainda, um campo sintático, na forma da linguagem das obras de arte, por exemplo, ou em semantemas linguísticos do mito, ou ainda, mitemas.

Assim, podemos sugerir que a cultura dos olmecas, supostamente influenciada pelos orientais, serviu de ligação entre estes e a “cultura” de Teotihuacan, esta última comunicando-se com a “cultura” asteca.

Aqui, o paradigma é mais importante que o sintagma. Numa visada sincrônica, podem-se revelar, hipoteticamente, inclusive arquétipos, caso estes “existam”. É difícil falar de existência em relação a arquétipos, algo extremamente simbólico cujos contornos tornam-se difusos quando vistos em profundidade ou em generalização.

A chave de arco para este momento da pesquisa é o estudo das culturas epi-olmeca e de Izapa, pois elas são a ponte que une a “cultura” olmeca “tradicional” e a “cultura” de Teotihuacan. Em tese, as realizações de arte e cultura olmecas acumularam-se gradualmente até o momento de transição, quando emergiu outro paradigma cultural, embora este último tenha recebido anteriormente influência da própria cultura olmeca e de suas “filhas”, a epi-olmeca e a cultura de Izapa. Tal paradigma é representado pela cultura de Teotihuacan, como dissemos, e pelas culturas maia e zapoteca, surgindo assim mais duas variáveis nesta equação. Mas esta mudança de paradigma teve também motivações materiais, políticas e sociais, podemos facilmente antever, é claro.

Na verdade, não precisamos falar em arquétipos, essas “formas” seriam tipos ideais que poderiam estar tanto na Mesoamérica como no Oriente, hipoteticamente, claro. Aquilo que, a princípio, seria uma falha técnica de nossa abordagem, um erro na cronologia, revela-se, ou revela ser, um instrumento para a compreensão mais ampla da cultura dessas regiões.

Neste momento, procuramos estruturas do pensamento mítico como as formulações em oposição complementar, tão caras ao pensamento oriental. Elas seriam fundamentais para um rastreio de um suposto trajeto da cultura oriental na Mesoamérica.

Estas observações e esta tomada de partido epistemológico dizem respeito principalmente a nossos artigos “Os Motivos quadrangulares na arte dos antigos Extremo Oriente e América: uma visada” (https://revistaft.com.br/os-motivos-quadrangulares-na-arte-dos-antigos-extremo-oriente-e-america-uma-visada/ acesso em 01/09/2025)  e “O Tigre e a onça: semelhanças formais entre as artes chinesa, olmeca e asteca”. (https://revistaft.com.br/o-tigre-e-a-onca-semelhancas-formais-entre-as-artes-chinesa-olmeca-e-asteca/  acesso em 02/09/2025)

O trajeto das formas de representação artística não é mais o objeto primordial desta pesquisa. O que mais importa é a existência, em certas datas até mesmo distantes entre si, de representações similares e não necessariamente por contatos físicos entre os produtores dessas representações. O surgimento dessas representações deveu-se a certas “forças”, sejam infraestruturais, psicológicas, sociais, religiosas, etc. Mas as cronologias ainda importam, claro, enquanto presença ou in absentia aonde houver pontes extemporâneas entre as manifestações de arte aqui tratadas.

É possível constatar influências diretas entre tais obras de arte do continente americano, oriundas de contatos interculturais diretos, de “culturas”, mas entre dois continentes tudo muda. Numa perspectiva ampla, um estudo antropológico deve revelar interessantes visões de mundo, rumo a uma compreensão mais ampla do ser humano. Como dissemos, um estudo comparado das estruturas dos mitos produzidos por tais “culturas” pode ser, e provavelmente é, fundamental.

3. CONCLUSÃO

A Ciência Histórica e a História da Arte podem e devem trabalhar também com a Antropologia Cultural. A cronologia não é o único recurso para que se desvende o fenômeno humano. O cruzamento das cronologias, como se faz em Arte Comparada, revelaria tendências de pensamento que podem ser mais ou menos constantes para um dado contexto infraestrutural, que se coloque como comum a duas “culturas” em determinados pontos de seus desenvolvimentos socioeconômicos. Não se trata de atrelar as interpretações a estruturas idealizadas, apenas, mas também não se trata de ficarmos presos a condicionantes materialistas.

O fenômeno humano é constituído por sentido, ou sentidos, que transcende a mera somatória dos fatos. As próprias características das religiões e/ou mitos podem apresentar variações e peculiaridades quando vistas mais de perto. As formas das obras artísticas têm o potencial de revelar tais diferenças. O historiador da arte/antropólogo deve também ajudar o arqueólogo.

4. BIBLIOGRAFIA

4.1. LIVROS

MEGGERS, Betty. América pré-histórica. Trad. Eliana Teixeira de Carvalho. 1a. Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

PACHITO, Ernesto de Souza. Do Originário e do modernismo: estudos em arte indiana, pré-colombiana e futurismo. 1a. Ed. Maringá: Viseu, 2025.

RIVET, Paul. As Origens do homem americano. Trad. Paulo Duarte. 3a. Ed. São Paulo: Anhembi, 1960

4.2. WEBSITES

<https://lugares.inah.gob.mx/en/node/4345> Acesso em 24/08/2025

<https://revistaft.com.br/o-tigre-e-a-onca-semelhancas-formais-entre-as-artes-chinesa-olmeca-e-asteca/> Acesso em 02/09/2025

<https://revistaft.com.br/os-motivos-quadrangulares-na-arte-dos-antigos-extremo-oriente-e-america-uma-visada/ > Acesso em 01/09/2025

<(PDF) Mesolithic-Neolithic Seafaring Migrations from the Indus Valley into North and South India, Europe, China, the Pacific Archipelagos and South America (2015)> Acesso em 8/09/2025 the Pacific Archipelagos and South America (2015)>

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