Prof. Dr. Ernesto de Souza Pachito
Depto. de Teoria da Arte e Música – Centro de Artes – UFES

O TIGRE E A ONÇA: SEMELHANÇAS FORMAIS ENTRE AS ARTES CHINESA, OLMECA E ASTECA

Prof. Dr. Ernesto de Souza Pachito

Depto. de Teoria da Arte e Música – Centro de Artes – UFES

RESUMO

Os navegadores australianos e melanésios. O pensamento do antropólogo Paul Rivet e suas supostas provas da ida de homens da Oceania para as Américas. A igualdade aproximada das distâncias entre o Japão e a costa da América do Norte, ou entre a Melanésia e a mesma costa. A semelhança formal entre exemplos de arte olmeca, asteca e obras de arte chinesas antigas.

PALAVRAS-CHAVE

PAUL RIVET                                           OCEANIA                                  CHINA ANTIGA

NAVEGAÇÕES                                    ARTE                                      PRÉ-COLOMBIANA

ABSTRACT

Australian and Melanesian navigators. The thinking of anthropologist Paul Rivet and his supposed evidence of the voyage of men from Oceania to the Americas. The approximate equality of distances between Japan and the coast of North America, or between Melanesia and the same coast. The formal similarity between examples of Olmec, Aztec, and ancient Chinese art.

KEYWORDS

PAUL RIVET                                           OCEANIA                                  ANCIENT CHINA

NAVIGATIONS

PRE-COLUMBIAN ART

  1. INTRODUÇÃO

Falaremos aqui de paralelos possíveis, ou influências, entre a arte do Extremo Oriente e a arte da América Pré-colombiana, influências estas devidas a supostos contatos diretos entre tais regiões, que seriam possibilitados por grandes navegações pelo Pacífico, pelo menos navegações chinesas. Como dissemos, é uma possibilidade.

Em nossa hipótese levamos em conta também a possibilidade da Índia antiga ter exercido influência sobre a América Pré-colombiana em termos de concepções religiosas e em termos estéticos ou plástico-artísticos. Devido à dificuldade em analisar pinturas, pois as cores e o próprio desenho sofrem mudanças no decorrer do tempo (e às vezes se apagam), centraremos nossas análises na escultura e na arquitetura desses povos.

Essa influência indiana, mesmo que possa haver, numa primeira visada, fortes divergências de estilo em relação à arte pré-colombiana, dá-se no mínimo através da penetração do pensamento religioso budista no extremo leste da Ásia e, pelo menos indiretamente, da penetração do pensamento hinduísta.

O budismo nasceu no século VI a.C. na Índia, aproximadamente em 528 a.C. (https://www.historiadomundo.com.br/religioes/budismo.htm#:~:text=O%20Budismo%20foi%20fundado%20na,na%20regi%C3%A3o%20do%20leste6%20asi%C3%A1tico  Acesso em 22/5/2025), tendo se expandido para a China no século I d.C. (BODIEN; LANDAW, 2018, p. 68).

O livro As Origens do homem americano de Paul Rivet, antropólogo fundador do Musée de l’Homme, traz-nos especulações sobre o povoamento da América, especulações essas iniciadas logo após a chegada de Colombo a este continente. Uma dessas especulações, formulada por John Ranking no século XIX, sustenta que Kublai-Khan tentou a conquista do Japão com sua esquadra que, desviada por uma tempestade, foi parar na costa da América do Sul, onde fundaram o Peru. Hornius e Jean Laet, antes de Ranking, sustentaram tese parecida, segundo Rivet (RIVET, 1960, p. 26).

Rivet ainda nos diz que um “sábio” francês, De Guignes, interpretou a obra de um escritor chinês, Ma-Tuã-Lin que identificou o país de Fu-Sang, descrito por ele mesmo, como sendo o México. Segundo Ma-Tuã-Lin, em 499 d.C. um sacerdote budista chinês chamado Hoai-Chin, teria chegado a Fu-Sang e descrito essa terra (RIVET, 1960, p. 27-28).

No século XIX, vários pensadores, entre eles um dos irmãos filósofos Schlegel (não especificado por Rivet) concordaram que a terra chamada Fu-Sang seria o Japão. No entanto outros mantiveram a opinião de que Fu-Sang seria um local na costa ocidental das Américas. Mas, informa-nos Rivet que, na sua época (1960), havia certo consenso de que a terra de Fu-Sang seria ou o Japão, ou a Coreia, ou Sakhalina (extremo oriente da Rússia, a leste da Sibéria e a norte do Japão).

Rivet julga todas essas conjecturas como fantasiosas. Mas, se houver pertinência nas opiniões de De Guignes e Ma-Tuã-Lin, perguntamos: que enorme diferença de clima e paisagem entre o Japão e as Américas do Sul e Central. Seria possível haver engano?

Também, esses supostos navegantes que teriam chegado às Américas, podem ter partido de outras regiões como a Oceania. Paul Rivet afirma, que australianos teriam chegado principalmente à América do Sul, mas, em tempos muito remotos. Ele o faz baseado em análises de crânios, dos grupos sanguíneos de homens na Austrália e no extremo sul da América do Sul, por análises linguísticas e de elementos culturais, como instrumentos, habitações e padrões em espiral em cestarias; análises estas feitas por diversos pesquisadores. Alguns desses traços culturais não existem atualmente na Terra do Fogo, mas podem ter migrado para outras regiões (até pontos da América do Norte) antes de desaparecerem da primeira região. Antes de chegarem à ilha da Austrália, os australóides habitavam o sul da Ásia, tendo partido dali, em tempos “remotíssimos”, segundo Rivet (RIVET, 1960, p. 90) para habitar essa ilha.

Os melanésios também teriam chegado em pontos das Américas segundo análises de crânios que indicam similaridades entre os crânios de Lagoa Santa (Estado de Minas Gerais, Brasil) e os crânios melanésios. Essas similaridades encontram-se em populações desde a Califórnia, ao norte, até a Argentina, ao sul. Os grupos sanguíneos também apresentam similaridades. Também instrumentos, armas, objetos de uso cotidiano, etc. Elementos culturais comuns foram encontrados também na Polinésia e Indonésia, mas a origem deles seria melanésia. Até no reino dos patógenos pode-se encontrar uma distribuição por locais da Ásia e Oceania.  Também, parentesco linguístico foi encontrado entre grupo linguístico Hoka (ao qual pertencem diversas tribos desde o sul da Califórnia até a Colômbia, pelo Pacífico) e o Malaio-Polinésio (RIVET, 1960, p. 97-116).

Ora, se melanésios chegaram às Américas em tempos muito remotos, por que os chineses e indianos não poderiam tê-lo feito em tempos relativamente recentes, com equipamentos mais desenvolvidos?

Vejamos a figura a seguir (Fig. 1):

Fig. 1

Na Figura 1, utilizamos um compasso de mecânico e com uma extremidade na região da Melanésia chegamos até bem perto da costa da América Central. Esta abertura de compasso é a mesma entre a Espanha e a América Central, percurso feito por Colombo na “descoberta” da América.

  • TRAÇOS CORPORAIS DE REPRESENTAÇÕES

Investigando paralelos em traços faciais da figura humana representada, e de certos animais, vejamos a seguinte máscara de jade olmeca (Fig. 2). Nela os traços orientais sobressaem, muito embora os traços dos indígenas da América do Sul sejam realmente orientais – pela antiga migração dos centro-asiáticos pelo Estreito de Behring até as Américas, entre 15.000 e 13.000 anos atrás. Mas na máscara a seguir esses traços são muito pronunciados. Por outro lado, as feições dos indígenas da América Central e México parecem ter o nariz pronunciado, mais que os olhos repuxados, como é representado em inúmeras obras de arte pré-colombianas da América Central e México, a exemplo do rei maia Pakal (Fig. 3).

Fig. 2 – Máscara de jadeíta no estilo olmeca. Entre o 10º século e o 6º século a.C. Altura 17 cm. Foto de Madman. By No machine-readable author provided. Madman2001 assumed (based on copyright claims). – No machine-readable source provided. Own work assumed (based on copyright claims)., CC BY 2.5, (https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=1862568 Acesso em 5/04/2025)

Fig. 3 – https://commons.wikimedia.org/wiki/File:K%27inich_Janaab_Pakal_I_v2.jpg Acesso em 16/07/2025.Cabeça de estuque de K’inich Janaab Pakal I (603-683 d.C.), rei de Palenque.  National Museum of Anthropology, Mexico-City.

Vejamos esta escultura chinesa:

Fig. 4 Título: menino sentado; Período: dinastia Song (960 d.C. – 1279 d.C.); data: século XII d. C.; técnica: cerâmica; 30.5 cm x 22.2 cm x 22.2 cm (https://www.metmuseum.org/art/collection/search/775525 Acesso em 05/04/2025).

Agora, vejamos esta, olmeca:

Fig. 5 (https://cyh.rrchnm.org/files/download/473/fullsize 1000 – 300 a.C. Acesso em 7/07/2025)

O texto do site, desta última figura, diz:

Esta estatueta de um bebê gordinho, é um dos muitos exemplos semelhantes de esculturas de cerâmica de bebês pertencentes a uma antiga tradição cerâmica mesoamericana que floresceu durante o primeiro milênio a.C. As estatuetas são ocas e frequentemente quase em tamanho real (cerca de 25 a 35 cm, ou 10 a 14 polegadas de altura), feitas de caulim branco ou argila comum coberta com uma camada terrosa branca. As estatuetas geralmente estão sem roupas, mas não mostram os genitais. Como outras, a cabeça deste exemplar é grande e parece mostrar uma deformação craniana artificial usada para moldar as cabeças dos bebês de acordo com os padrões estéticos culturais. Suas bocas voltadas para baixo e olhos semicerrados, semelhantes aos de adultos, são aparentemente simbólicos. Esta figura tem pernas largas e esticadas, com pés de bebê, e seu braço está estendido em um gesto amplo. Muitas dessas estatuetas exibem esse gesto, e algumas são mostradas engatinhando. Algumas estatuetas com rosto de bebê usam uma cobertura semelhante a um capacete. (Olmec Ceramic Baby Figurine [Object],” in Children and Youth in History, Item #447, https://cyh.rrchnm.org/items/show/447 – Tradução livre. Acesso em 9/7/2025).

Afirmar-se que os olhos semicerrados podem ter características simbólicas diz respeito apenas ao fechamento destes e não a serem “puxados” à maneira oriental, visto que esta última característica é distinta desse grau de fechamento. Vejamos três imagens reveladoras (Figs. 6, 7 e 8):

Fig. 6

Fig. 6 – Detalhe de um castiçal em forma de jaguar. Período dos Três Reinados (220 d.C. – 280 d.C.) Escavado em Nanjing, Província de Jiangsu, 1958.

O texto diz:

Na forma de um leão agachado, este candelabro apresenta uma pequena coluna redonda no centro para apoiar uma vela; é um objeto de arte projetado para um uso prático. Quando enterrado junto com o morto, acredita-se que seria para levar luz à tumba, ele pode também ter sido usado como um pote de água, ou um vaso para dissipar o mal. (tradução livre). (https://commons.wikimedia.org/wiki/File:CMOC_Treasures_of_Ancient_China_exhibit_-_celadon_candle_holder,_detail.jpg Acesso em 20/07/2025)

A mesma obra, vista de outro ângulo:

Fig. 7 Castiçal jaguar. Período dos Três Reinos (220 d.C. – 280 d. C.). Escavado em Nanjing, Província de Jiangsu, 1958

(https://commons.wikimedia.org/wiki/File:CMOC_Treasures_of_Ancient_China_exhibit_-_celadon_candle_holder.jpg Acesso em 20/7/2025)

E agora, o asteca:

Fig. 8 O ocelote (jaguatirica) cuauhxicalli (vaso de pedra para conter corações humanos sacrificados, em forma de jaguar)  Luidger/cc by-sa 3.0  Asteca (seculos XIV d.C. – XVI d.C.)

https://www.atlasobscura.com/places/jaguar-ocelotl-cuauhxicalli Acesso em 9/5/2025)

As semelhanças entre os dois exemplos imediatamente anteriores são muitas: veja-se o detalhe da representação das jubas do felino, ou pelos, laterais à cabeça. Veja-se a localização do orifício no dorso de ambas as figuras, no primeiro caso para portar pelo menos uma vela; no segundo, para receber corações de pessoas sacrificadas.

É certo que há um grande hiato de tempo entre a escultura olmeca acima exibida e a obra chinesa representando bebê, como dissemos, e parece haver dois grandes momentos de influência oriental sobre a arte do México pré-colombiano: o momento olmeca, e da diluição das culturas remanescentes epiolmeca e de Izapa, de cerca de 1400 a.C. a 400 d.C.; e o momento posterior do século XIV d.C. ao século XVI d.C., da cultura asteca.

A pergunta que se nos coloca é como o bebê chinês mais acima neste texto pôde ter influenciado o bebê olmeca se este último é anterior àquele em pelo menos 1600 anos? Uma possível resposta é que uma cultura chinesa anterior poderia ter trazido seu estilo artístico para a América Central, como dissemos logo acima.

Mas como os chineses teriam trazido seus estilos artísticos para o continente americano? Resposta: trazendo obras de arte, que seriam “imitadas” pelos centro-americanos.

  • CONCLUSÃO

As semelhanças entre as imagens são gritantes. Inclusive, no que tange às peças que representam bebês, já devem ter sido apontadas por outro(s) pesquisador(es) e polemista(s). As esculturas representando felinos têm, além das similaridades visuais, semelhanças que podem ser atribuídas a usos rituais, não os mesmos. O chinês trata-se de um candelabro, levado para dentro de tumbas com a finalidade de iluminar o morto. O asteca contém no seu dorso uma cavidade para receber o(s) coraçã(ões) de pessoa(s) sacrificada(s). Ocorre que, tendo os astecas recebido, ou encontrado, o felino chinês, seu uso pode ter sido adaptado. Conforme nossa hipótese de chegada dos estilos chineses na América Central através de peças de arte e não através da ida de mestres das artes ou sacerdotes artistas.

Um outro aspecto das possibilidades aqui aventadas tem sido divulgado como novidade: a chegada de chineses na América cerca de 70 anos antes de Colombo, comandados pelo chefe naval Zheng-He (https://www.bbc.com/portuguese/brasil-54395169 Acesso em 4/8/2025). Deve-se lembrar também que os chineses já tinham a bússola antes dos europeus. Por fim, a distância entre o Japão e um ponto mediano da costa dos Estados Unidos atuais é aproximadamente a mesma que entre a Espanha e a costa leste da América Central.

  • BIBLIOGRAFIA

4.1. LIVROS

BODIEN Stephen; LANDAW Jonathan. Budismo para leigos. Rio de Janeiro: Alta Books, 2018, p. 7-70.

RIVET, Paul. As Origens do homem americano. São Paulo: Anhembi, 1960.

4.2. WEB SITES

<https://www.atlasobscura.com/places/jaguar-ocelotl-cuauhxicalli> Acesso em 9/5/2025

<https://www.bbc.com/portuguese/brasil-54395169> Acesso em 4/8/2025.

<https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=1862568> Acesso em 5/04/2025.

<https://commons.wikimedia.org/wiki/File:K%27inich_Janaab_Pakal_I_v2.jpg&gt; Acesso em 16/07/2025.

<https://commons.wikimedia.org/wiki/File:CMOC_Treasures_of_Ancient_China_exhibit_-_celadon_candle_holder.jpg> Acesso em 20/7/2025.

<https://commons.wikimedia.org/wiki/File:CMOC_Treasures_of_Ancient_China_exhibit_-_celadon_candle_holder,_detail.jpg> Acesso em 20/7/2025.

<https://cyh.rrchnm.org/files/download/473/fullsize&gt; Acesso em 7/07/2025

<https://cyh.rrchnm.org/items/show/447&gt; Acesso em 9/7/2025.

<https://www.historiadomundo.com.br/religioes/budismo.htm#:~:text=O%20Budismo%20foi%20fundado%20na,na%20regi%C3%A3o%20do%20leste6%20asi%C3%A1tico>  Acesso em 22/5/2025.

<https://www.metmuseum.org/art/collection/search/775525> Acesso em 05/04/2025.

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