VÁCUO: livro de poemas

PRANA

Não sou o arconte,

No ar fonte, sou arfante.

No ar todo-penetrante,

Eu, impermeável, preso,

Sem prana.

O cigarro pende

Enquanto no meu passo,

Passo.

***

DESCANSO

Descansa,

Nesta canção

Que canto.

Descansa,

No teu canto.

Valquíria

Que me eleva

Ao ponto

De um jardim

No fim da dor.

Tua guerra é santa,

Tua guerra é justa,

Mas, por ora,

Descansa,

Vê brotar teu jasmim.

Eu te mereci?

Não sei:

Estás aqui.

Luta,

Ataca!

Agora agacha.

Capoeira que tens

Bate e recua.

Cuidado!

Isso.

Abaixa!

Eia! Vencemos!

Para, senta,

faz fumaça,

Só um trago,

Num momento.

Olha ao longe.

Salga sua pele

Em ondas pardas,

quentes.

Descansa,

Eu te embalo

No meu canto,

Em meu chorinho.

***

SEDA

Seda de luxo,

A voz desenha uma curva

No tom.

Envolve meu ouvido

Atento.

Foco,

Aura

De energia translúcida,

Como o papel da pipa

Que vai e vem.

Vai e vem.

Requintada a moça,

Louça de Pequim.

Faz-se,

Inventa-se a cada tempo.

Vento.

Aonde vai é segredo arcano.

Alento,

Dona do tempo.

***

O PONTO

Aponto para o céu sem fim

Uma antena interestelar.

Enfim, um ponto

Em que me fixo.

Ponta seca, no céu.

Compasso do existir,

Esperança tola de ascensão.

Giro no céu em torno desse ponto.

De ponta cabeça.

Tolo como um balão

Confiante.

Viver é o meu desatino.

***

SOLO

Sobem o solo

E a fumaça de café e cigarro.

Um carro surge solitário

Na rua, ao rés do chão.

Chove fino.

Meu sobretudo jaz pendurado.

Nunca houve uma época mais propícia

À poesia e solos de sax.

Um tiro, um cadilaque,

Uma ameaça de bomba

Nuclear.

De manhã,

Um beatle canta um mantra.

Converteu-se

À força de seu tempo.

Fluxo.

Enquanto posso,

Tomo um café forte,

Asceta de minha solidão.

***

LÓTUS

Ah, então tu queres um lótus…

E só te ofereço a minha bile

(Uma bile bipolar).

Um lótus branco e rosa,

Que brote dentro de ti.

Lótus ou cogumelo

Radioativo?

Orgasmático,

Automático,

Ou pacificador?

Talvez ambos,

Ao fim.

E produzo a minha bile.

***

CIBERCANALHAS

Cuidado com os cibercanalhas.

Enganosos.

Não vá fechar um contrato,

Simplesmente apertando um botão,

Como cortando um fio da bomba.

Cuidado com os cibercanalhas,

Onipresentes, circundantes.

Ninguém controla a rede que te apanha.

Quisera eu um apagão

Dessas coisas sórdidas.

Paranoia.

Essas conexões todas referem-se a mim?

Sim e não.

É sempre o fio da navalha,

O julgamento a ser feito,

Se estou louco ou são.

***

A LEI E A DESORDEM

Fábrica, não do nada,

Antes fosse.

Decadência espiritual do povo

(será que se constituiu alguma vez como… povo?).

Quando se torna impossível ouvir.

Quando se torna impossível não ter medo

Do suposto irmão,

Suposto compatriota.

As hordas ouvem música chula.

Os irmãos trocam tiros,

Rajadas rápidas.

A lei e a desordem.

***

MAR SOBE

Mar sobe,

Gradativo,

Como acordes de um sintetizador

Em crescendo…

Inunda gradativo meu quarto,

Espuma pouca.

Sou retirado

Para um caminho de algas.

Venci-as.

Subo na margem,

Nu.

Teço com folhas uma vestimenta.

Um cajado me surge à mão.

Ponho-me num rumo perdido,

Para não sei onde.

O caminho é de barro,

A manhã já se levanta.

Deito-me na relva,

Eis que me surge Eva,

Fonte

De toda esperança.

***

NASCI

Nasci

Da costela de Eva.

Entreguei-lhe a maçã.

O pecado original

Vem

Do meu ocidental

Jeito de ser.

***

PANORAMA

Não se faz mais filme noir.

Na virada dos 1970 para os 1980,

Penteava-se o cabelo para trás,

Curto.

Com as entradas em cima aparentes.

Tipo Bruce Willys ou Mickey Roarke.

As cabeleiras foram deixando de ser usadas.

Não se usava mais a flauta,

Como se fazia em regionais,

Choros ou até sambas.

O glamour estava no saxofone.

Defino os anos 1980 como saxofone, cocaína

E… a peste.

Zen-budismo, Walter Benjamin e beatniks.

Ah, sim, os quadrinhos, etc…

Batman em Gotham City.

Darks vestindo suas roupas.

Os vampiros imaginários,

Quando sangue era um tabu.

Habito a reminiscência.

***

HOMEM-ESPAÇO

Todo ano, o mesmo:

Entra o tempo do peixe-espada

(mais ou menos em setembro)

Sai o tempo do peixe-espada

(por volta de abril).

Sempre o sol

Criando reflexos no mar,

Nos flancos dos peixes-espadas.

E a mesma gente,

Pensando pular ondas do Caribe.

São de Minas,

Merecem atenção.

Eles vêm

E vão,

Sazonais.

As coisas se mexem no espaço abstrato.

Eu sou um

Com esse espaço.

***

D DE DERROTA

Dia D

De derrota.

As barcas desembarcam tropas infames.

Não que seus inimigos não sejam infames.

Todos são.

Tropas infames de um e de outro lado

Do xadrez da guerra.

As barcas e as defesas de terra

Trocam tiros nos meus pensamentos.

É dia D

De derrota.

Em meio ao conflito,

Sucumbe o bom senso.

***

SÚBITO ENTENDI NIETZSCHE

O povo ouve

Música de superfície,

O povo dança.

Entre o povo, há sedução.

As mulheres do povo

Balançam seus quadris,

Os homens os enlaçam.

Corpos fartos.

Comemoram a vitória

De seu time de futebol.

Sem projetos intelectuais,

Sem saber do amanhã.

E eu com minha metafísica,

Por trás da grade,

Preso no fechado condomínio,

De minha insegurança.

Súbito, entendi Nietzsche.

***

A MORTE HEROICA

Teve uma vida heroica,

Mas isso foi há muito tempo.

Ontem à noite,

Deitou-se na cama,

Virou de lado, teve flatulência e morreu.

Ninguém viu.

***

DEMÊNCIA

A memória vem, vai, chega e sai.

Pairam dúvidas sobre as conjugações e as regências do português.

Os tempos verbais…

Devagar se dissipa o eu.

***

CALOR

O calor nos acanalha.

Não que o clima determine cem por cento o caráter dos homens.

Mas, ele nos acanalha.

Molhados em dobras,

Dobras da carne e dos lençóis

Que não se compartilha com ninguém.

Tristes lençóis de suores em vão.

Suores de viúvo

(Nada mais a fazer)

Na congregação

Que lhe falta.

Acanalhado na solidão.

***

TONINHO HORTA

Aos 15:

Mamãe, quero ser Toninho Horta.

Aos 20:

Mamãe, quero ser Toninho Horta.

Aos 30:

Mamãe, quero ser Toninho Horta.

Aos 45:

Mamãe, quero ser Toninho Horta.

Aos 60:

Mamãe, quero ser Toninho Horta.

Aos 85:

Mamãe, quero ser Toninho Horta.

Deitou-se, virou de lado, teve flatulência e morreu.

E ninguém soube.

***

COMPAIXÃO

Já aos 60,

Todo sexo é desmesura.

Sejamos pudicos nesse tempo.

Na união, a compaixão é a moeda que mais vale.

***

(DES)TERRA

Desterro

na terra,

Lugar que estranho.

Sol de estanho,

Tudo cinza.

***

TORNO

Esta noite sonhei que mexia num torno.

Eu, graduado, mestre e doutor,

Tantas vezes soberbo,

Nem tanto com títulos,

Mas com ideias.

Eu, aluno temporão, aos 60,

Do curso técnico em mecânica.

O torno come os dedos da gente.

***

OUTROS NOVAMENTE FARÃO

Eu não fiz,

Talvez não farei.

Agora, meus olhos cerram-se,

Lentamente.

Eu não fiz,

Talvez não farei.

Mas outros fizeram,

A seu tempo.

Para além de mim,

Outros novamente farão,

Na recorrência da história,

Deixando sob a lenha queimada

As cinzas de seus combates.

Agora meus olhos cerram-se,

Em paz.

***

MELANCOLIA

A melancolia é amiga,

Espécie de renúncia.

Renuncio a tudo isso.

Encastelado, na torre de meu não,

Não me envolva.

Tiro a capa do cabide,

(não fosse o calor que nos acanalha,

Não fosse este trópico,

Eu diria “sobretudo”)

Apanho o guarda-chuva,

Passo ao passeio público,

Numa prosaica Londres do imaginário.

Poema gótico.

***

SISO

Me perdoa este meu lado

Que não me faz jus.

Me perdoa esta fraqueza

De quem sempre se vê como o último.

Talvez masoquismo seja,

Eu, nota surrada,

De menor valor.

Que não vê o brilho do olhar

Que me vê.

Há brilho?

Alguém me vê?

Modéstia cristã?

(Inculcada na mente e no corpo

Gravada por lâmina dura)

Inclusa como um juízo,

Siso.

Assim, me insinuo,

Ou menos,

Assim explodo,

Na gargalhada mais tola,

Na piada estúpida, paradoxalmente,

E desta vez, sem siso.

E se não tenho siso,

Sou culpado

De, no fundo, ter siso.

***

ESCANSÃO

Meu lado negro

Corre sobre rodas

(aros prata)

Sobre a pista.

Esse lado

Também são vigas

De templo japonês,

Sobre o branco de Franz Kline.

Meu lado negro é Jequitinhonha…

Jequitinhonha: transcende a palavra,

Escandida, como uma frase no saxofone se desenrola.

Ou…

Como canta o carro-de-boi que segue lento.

Poeira, terra, barro e boi,

Prolonga-se a imagem na memória,

Como num anti-futurismo,

Vai-se.

***

SEROL

O poema é usina,

De cana o mel

Torna-se grão.

O poema é salina,

Da água ao mel

Decanta o sal.

Vastidão

verde ou branca ou…

Dourada.

O poema é sol

Ardendo na pele.

O poema é vero,

Poema fero,

Poema soro,

Poema serol.

***

NOTA DE RODAPÉ

O motor de busca matou

A nota de rodapé.

Antes estorvo,

Hoje saudade.

Hoje, saudade de ontem.

Amanhã, de hoje.

Assim por diante.

A academia matou a beleza,

Aquela pequena celulite.

Hipertrofia muscular.

Muito músculo, pouca fibra.

(disco music)

***

ÁGUA

Da moringa a água pinga.

Treze por cento ao mês.

Vai o moço de recados

Colocar o dedo

No furo da represa.

Inútil,

A água jorrará forte

Sobre os fariseus.

***

BRINQUEDO

Das mãos o cheiro de óleo.

A tesoura corta a chapa,

Bom aço galvanizado.

Quem sabe não saia

Um caminhão de brinquedo

Que leve o medo

E me leve à Indochina?

Passeios no deserto,

Pirâmides…

Um avião a hélice.

À boca da Terra ôca.

À arca perdida, ao Japão.

Viagem sem fim.

(Mas vem sobre mim

O manto frio da morte)

***

TOULOUSE-LAUTREC, PORTINARI

A mulher de silhueta fina

Desfila, o vestido roça o chão.

O rosto expressionista,

A maquiagem explode em cor.

Fosse na França, seria assim.

Por cá, são mulheres tropicais,

Algumas juntadas…

A deixarem sentir

Seus corpos rijos de Portinari.

***

DELIVERY

Dentro do capacete,

A seta.

Expressão urbana.

Na reta direta,

Rumo marcado em gê-pê-ésse.

O capitalismo sempre inventa

Um recurso

Que não se requer,

Só pressa.

E mais um,

Morto na função,

O asfalto é seu leito,

Um pedaço de lona,

A mortalha.

***

DIALÉTICA

Somos iguais

Até na repulsa que sentimos um pelo outro.

***

PRESSURIZADO

Vapor,

Motor,

Virabrequim

Faz parte de mim,

Válvula,

Bomba.

Prrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr…

Acionado,

Incandescente tubulação,

Alçado,

Balístico, sai da visão.

Cometa,

Porreta!

***

HOMEM FELIZ

Homem feliz

Anda a três.

Antes que o olhemos,

Já cumprimenta.

Toda a família são três:

Ele, esposa e filha.

As mãos dadas em cordão,

Cada passo é um raio de sol.

***

PAPEL

O papel farfalha,

Folha com folha.

O velho conta as contas.

***

PAPEL PASSADO

Bela

Como uma manhã de Woodstock.

Cabelos belos loiros

Como um campo de trigo.

(Um tom de rosa no loiro)

Sentada, ela ria e abraçava as pernas dobradas.

Totais, éramos cada um

(uma nuvem proibida

Levava além nosso olhar).

Com toda canção de protesto,

Um beijo valia um beijo,

Um beijo era papel passado,

Escriturado.

Ainda hoje há gente assim.

***

QUEM LÊ POESIA?

Você não lê poesia,

Mas a poesia o lê,

E vai soprar seu segredo

No ouvido da gente.

E a gente

Não

Presta.

***

MANHÃ

O rio faz a curva

Lento

Entre os barrancos

Cobertos de eucaliptos.

Num platô,

Uma vendinha de paredes azuis,

Ou verde-água.

O vento bate leve, um pouco frio.

Acordamos nas barracas,

Felizes, espertos.

Mais um dia

De bem.

***

ROMA

Confiar no legislador

De Roma.

Confiar no magistrado

De Roma.

Confiar no soldado

De Roma.

Confiar em Roma.

***

POEMAS

Poesia em prosa,

Prosa poética.

Quando as palavras copulam

Na estreita passagem da linha.

Poema sinfônico,

Ode,

Celebrada em devaneios…

Só som.

Música abstrata

De sons-palavras.

Na estreita passagem da linha.

Desfiladeiro

(alegorias em marcha,

Estandartes e fantasmagorias)

Por onde se esgueiram

Sons, palavras, flâmulas.

***

ARMAGEDOM

As águias já se levantam,

Ensaiam seu vôo fatídico.

No horizonte já se vêem

As pontas das asas,

Já se ouvem os gritos aterradores.

Virão em breve dilacerar,

E espalhar o pó das ruínas.

***

PERDI A CAUSA

Perdi a causa,

As calças perderei.

Alguém ri às ilhargas,

O abdômen para frente,

Proeminente,

Um charuto, de seus lábios úmidos,

Pende.

Eminente dignatário

Dono

De nossa tragédia.

***

POUND

Pound fez o pilão

Moendo milho amarelo,

Explosão.

Posso ouvi-la na propriedade rural.

O milho que nos retiram

E nos retornam em farelo.

Menos os juros, menos a inflação, menos os impostos.

Águias não comem

Nosso milho.

As águias já se levantam.

***

SONDA

Quando o capital

Invade os últimos recantos,

Quando a alma está drenada,

Uma sonda

No flanco direito, ou no esquerdo,

Ainda retira qualquer coisa.

O homem roto come os dejetos.

***

VISITA

A equipe de reportagem

Entra em casa alheia.

Uma residência.

Lá, uma família

Oferece seus pratos.

O repórter pega um pedaço de queijo,

Os dedos em pinça,

Leva-o à boca,

Torce o nariz.

Na face um sorriso cínico.

E vai goela abaixo.

Ser repórter é tão chic!

É hors concours!

***

HECATOMBE

O vento parou.

Nem uma folha se mexe.

No condomínio todos descansam.

Cansei de esperar a hecatombe.

Só nos resta a hecatombe.

Guerra!

***

QUEM AMA?

Não importa quem ama quem.

Importa o amor.

***

RAJADAS

A poesia em rajadas rápidas,

Girando o lança chamas

Entre as ruínas.

Deus Shiva,

O destruidor de mundos.

Mas, a seguir Brahma

Constrói mundos.

Vishnu, o doador,

Tenta mantê-los.

Em vão,

O ciclo cósmico

Precisa cumprir-se.

A Roda.

***

FIM DO FILME

A moça pilota a moto

Comigo na garupa.

Garota de cabelos em ondas,

Guia-me, cego,

Para a luz,

No fim do filme.

***

VÁCUO

O xamã masca o peiote,

É o archote

Que o leva para fora

Da caverna de Platão.

Uma vez fora,

Depara-se com a luz vermelha e laranja

Que se eleva acima do horizonte.

Com os braços erguidos,

De joelhos no chão,

Imerso nessa luz

Que se torna onipresente,

Sente um vácuo,

Pura tração.

Nem um nem zero,

Zero e um.

Súbito…

Alçou-se,

Flecha no âmago

Daquilo que não se diz.

***

POSFÁCIO

Vácuo, quando o diafragma recua para o interior do corpo. Suspensão. O recuo do mar antes da chegada do tsunami. O olho silencioso do furacão. Ausência.

Todas estas expressões podem ser usadas para apontar para a solidão, a indescritível bem-aventurança ou o inferno (cotidiano).

Espero que este livro tenha fornecido um relance, facho de luz ou vulto de uma dimensão plena de consciência ou que lhes tenha permitido travar os combates mais desafiadores e imprescindíveis, como se lê no clássico hindu o Bhagavad Gita. Com garra.

Ernesto de Souza Pachito

Vila Velha, Espírito Santo, Brasil

Maio de 2025

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