PREFÁCIO DO AUTOR
Este não deixa de ser um livro político, onde critico a “arte pela arte” e o chamado
pós-modernismo, numa época em que as lutas sociais retomam o protagonismo da
história. Muito embora dentro dos estilos pós-modernos possa haver contestação, essa
não é a marca principal desse período, onde o neoliberalismo campeou. O predomínio das finanças sobre os demais setores da economia, a indústria cultural e
a publicidade, sempre comprometida com o status quo, são temas explorados neste
livro. Mas, ao mesmo tempo, a situação existencial do homem comum e do artista aqui se
manifetsam
Experimentações com sonoridades e imagens, além do jogo lógico das ideias também
estão presentes, são recursos poéticos para a expressividade do texto. Aqui vai esta pequena obra. Espero que apreciem.
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A MOÇA OBLÍQUA
Olha a moça, tão nova. Já sofre a exigência da natureza. Procriar. Seu corpo se expande… Lá vai a moça, Com o olhar oblíquo, Com o peso da mochila escolar
E de seu corpo em expansão.
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PARA SEMPRE CÉU
O céu está sempre lá, Não importa o quanto tu devas, O quanto você tem ou não tem. O céu está sempre lá. O céu de Allah, no céu da Bahia.
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DENÚNCIA
Posso ser mal poeta. Poesia-denúncia pode ser bela, Pode ser comovente, ou simplesmente, Atirar de encontro a teus olhos, leitor, A vida e os fatos.
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PEIXE ELÉTRICO
Nos pés do pescador, Enrodilhado, Surge o peixe elétrico:
A prata do choque. A morte-besta, A morte crua, A morte chata.
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CIRANDA
Todo liberal é contra comunistas e nazi-fascistas. Todo comunista é contra liberais e nazi-fascistas
Todo nazi-fascista é contra liberais e comunistas. E segue a ciranda. Nesta triangulação, salta o niilismo. Assim percorre o mundo sua rota insensata. Só o nada se descortina ao pensador. Não tenho lenitivos a oferecer, Embora a criança que nasce assim o mereça.
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DESCARTES
No entanto, Descartes pôs a pedra
Que permitiu sairem do pântano. Outros depois vieram
E fizeram-na pedra angular. Por mais que Einstein e outros estertorem, Por a mais bê, prossegue a saga do causal. A implicação direta é reta régua. Einstein como Picasso:
Pop star.
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COM OS OLHOS NA PÁGINA
Eu penso com os olhos na página
Muito embora, pontos em tela flutuante. Eu penso com os olhos no branco ou âmbar da página. Campo que me acolhe
E onde colho
A maçã.
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PERIPATÉTICOS
Peripatéticos perambulando
No deambulatório atrás
Da capela mor. A morte distraindo, As hierarquias distraindo, O riso surgindo furtivo
Nos cantos das bocas. Ousando do ofício das horas divergir.
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ARTES
Cultivar as Artes é bom quando se tem dinheiro. Quando se não o tem, Torna-se revolucionário, se tanto. Mas todo revolucionário é caça
(Dom Quixote moído de pancadas)
entre os anões pérfidos. Ser soft?
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ARQUITETURA ÁRABE
Branca beleza marmórea, Lisa textura, Plástica sutil, Luz nos quatro cantos. O minaretes são foguetes
Para outra dimensão. Clara racionalidade. O clássico árabe, Estação de outro planeta.
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O BANCO VERMELHO
O banco tem a cor vermelha, (Cor institucional, dizem)
Vermelho paixão, Vermelho sangue
Coração vermelho.
…Que é tudo o que o banco quer tirar de você. E mais.
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SÃO PAULO
A gerente da conta segura uma fina xícara
com os dedos delicados. À noite ela irá a uma vernissage no Masp.
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O DESIGNER JAPONÊS
O designer japonês, de São Paulo, Faz os efeitos especiais
do comercial de automóvel. Dinâmico, ele!
Futurista, Pop!
Ele pensa que atua
no filme do sabre de luz.
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A ORGANIZAÇÃO
A Organização pede, Em comoventes anúncios, Que se contribua, mensalmente, Para que tirem crianças da miséria e da exploração. Os governos já não tiveram tanto de nós?
Hipocrisia, pura hipocrisia.
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OPERÁRIO
Vi o operário, 70 anos aproximadamente. O bigode largo, grosso, de fios brancos. No meio do pó. Fui invadido de força, Vibração, virilidade. Neste ofício morto de pensar. Filosofar com o martelo:
Cada vez mais, Nietzsche me toma.
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PASSAGEM
Tenho que delegar, Entregar minha função ao artista oficial. Da grande mídia, Ou da mais refinada elite paulistana. Aproximam-se os anos, O cansaço faz-me a vida esvair. O que fiz e o que não fiz, Sinto que devo passar.
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AMIGA ANGÚSTIA
Toca-me, angústia amiga, Mas toca-me levemente, Na justa medida
De um despertar.
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INIMIGA VAIDADE
Inimiga vaidade
Que me impele a sempre super-ar. E se porventura o faço, Gabo-me. E chuto a linha de chegada para ainda mais longe. Pois, vaidoso, não aceito menos fama. Por fim, exaustão, Extinção.
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JUROS E IMPOSTOS
O trabalhador, pagando juros e impostos, À míngua. O salário, quase sempre menor que mínimo, Não lhe garante a existência, Muito menos a dignidade
Os pedintes, viciados ou não, enchem as ruas. A quem deve o Estado burguês?
O imposto pesa nos víveres do trabalhador, Simples víveres. O trabalhador é quem move toda a roda. Os especulador joga com os juros. Mundo financeiro: não há espaço para emprego.
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CONTAGEM
Conta-se os dias para a aposentadoria
Alegra-se com a sua aproximação. Pode alguém contar feliz a aproximação
De velhice e morte?
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SOL SODA
Sol cáustico, Sol soda, Açoita, Calcina as costas nuas
Sob as tiras rasgadas da camisa.
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PROBLEMAS CLIMÁTICOS
Problemas climáticos?
Catástrofes, perda da lavoura?
Não há problema, O agricultor sobe seus preços!
O dólar subiu?
Não há problema, O comerciante sobe seus preços!
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DE FATO
De fato ele é um grande poeta, Venceu pelo mérito. E pelo dinheiro que sua editora pagava
Aos críticos de jornal. Duchamp, com sua fonte, bem o sabia.
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O ESPAÇO SIDERAL
Agora, alienígenas viveram na Terra… Ou vivem ou colonizaram-na. Inunda-nos disso a televisão. O que quer a mídia?
O que se sabe?
Ideologia para um país eternamente em guerra. Nova anestesia. Conclamam as nações
A gastarem fundos na exploração do vasto espaço. E eu, na velocidade da luz, estendo-me, Expando-me, Até que, ocupando todo o espaço possível, Onipresente Buda me faço.
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PUBLICITÁRIO ENGRAÇADINHO
Você conhece o publicitário engraçadinho?
Aquele dos trocadilhos em plena crise econômica e social. E ainda reivindica para si
O papel de mantenedor da esperança. Último guardador da ideia de que tudo vai melhorar. Um santo contemporâneo. Invariavelmente, em meio aos juros, Vende a melhor aplicação, Enquanto o povo definha. Assista à TV estatal.
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HORÁRIO NOBRE
Chamaram um certo horário na TV
De “horário nobre”. Mas qual casa nobiliárquica
Lhe deu tal título?
Qual Rei, príncipe, duque, marquês, Visconde, conde ou barão?
Não vejo. Só a mais chula razão
Entre os que vão morrendo ante a tela
E o mercado de anúncios.
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MÚSICA SUTIL
Música sutil no poema. Ecos de vogais, vagas de consoantes
Arrebentando contra as conchas nacaradas dos dentes. O poema é corpo, O poema é farpa, O poema é flerte
O poema é pedra. Emite sons roufenhos. O poema range. Eu poderia aposentar o piano
E na cor do poema soar.
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SEM BIOMA
Sem bioma, Só mioma. E coisa pior.
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O POEMA É UM PORTENTO
O poema é um portento. Sai a rebolar, volumoso. Não que eu seja contra, Muito pelo contrário. O poema é um portento.
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VESTIBULAR
Música de instrumento
(Posto que há outra, tão arrojada quanto esta, A música na fresta das letras)
Propedêutica, Vestibular, para a festa do poema.
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RIMA
Rima é arrimo, Arruma a terra. Verruma a ripa, Arma
O carro de pau, O carro de boi, Que canta.
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POESIA LÍQUIDA, SEM LIQUIDEZ
Qual o saldo poético?
O teu saldo?
Toda poesia traz um saldo
Incontável… Na escassez, Sem liquidez, Basta um lápis
E papel de pão. Se tanto há.
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PROFESSOR
Carro apertado é que canta, Disse o velho mineiro. Fez um bom trabalho
Nas galés. Remada após remada. Carvão após carvão, Alimentou a fornalha
Dos jovens idealistas. Mesmo que, fatalista, Já não cresse.
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VAMOS FALAR DE JAZZ
Vamos falar de jazz:
Prolixo
(Eu mesmo fiz
Umas notas perrengues). Falta cantaria, Aço, concreto, Espaço articulado, Interpenetrado, Algo como João Cabral. É bonito ouvir jazz
E contemplar Picasso, ou Braque, Ou mesmo borrar alguns pincéis, Na clara luz da área de serviço
(Quiçá um dia, atelier). As cortinas brancas na janela
Sobre a pia são testemunhas silentes. Sem álcool, só café. Impressão de estrutura
(lavar uns pincéis no tanque ao lado). O mundo poderia ser uma imensa
Área de serviço.
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UM VÁCUO
A Theodor Adorno
e Giulio Carlo Argan
Há um vácuo na música
Os atonais já não vigoram. O público, desinformado, se afasta… E vai ouvir outra vez, Na festa da cidade, O Bolero de Ravel. O projeto na comunidade
Recai n’As Quatro Estações… Há um vácuo na música, Espaço para toda sorte
De tropicalistas e pós-modernos. A arte, post mortem.
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HIPERSOM
O compositor alimenta o programa, O computador dispara a melodia. Ajusta-se a linguagem, Nota por nota, ritmo a ritmo, Como numa nave se aponta para o céu. O músico senta-se na cadeira alta, Em frente à tela, hiperespaço, hyperlink, hipersom. Assim todos: funcionários, bancários, economistas, et altera, Têm sua viagem particular. A indústria agradece: oferta farta, Nomes sem procura a construir. A indústria escolhe a dedo.
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ALGORITMO
O algoritmo cerca o navegante. Na bolha, nada mais é aleatório, Não há mais sincronicidade. Não se toca em mais nada, por acaso. Nada que, súbito, revele algo da estrutura da mente. Estrutura profunda. Tudo é raso e mera informação. Nada mais é lance de dados. Penúria espiritual.
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MEDITANTE
O meditante adentra o templo de Lakshmi, Deusa do lar e da fortuna. Tudo é amplo, tudo é música e silêncio. Faz um pedido. Um som básico
Atravessa seu corpo. Logo vem a si a realidade
Oculta no ruído dos dias.
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O GUARDIÃO
Saga dos dias, Das horas, Momentos passados
Com o coração à boca. É preciso aninhar-se
No ócio sagrado. Sacerdócio do guardião do Ser.
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TIRANA PERSPECTIVA, Ou, CUBISMO
O violão jaz
Estilhaçado sobre a mesa. Estilhaçados também a fruteira, o papel de música. O espaço, amarrotado, Não tem mais unidade. Coerência formal rompida. Na luta contra a tirana perspectiva.
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OS DOUTOS E A REVOLUÇÃO
Os doutos escritores, Sem o título de doutor, Reúnem-se em clubes, Que a eles lhes apraz chamar
Confrarias. São guardiões da língua, Até que a vaga da vanguarda
Despeje sobre eles
Revolução popular.
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RASTRO
A bandeira do partido
Tremula nos mastros. No rastro do elétrico carro de som
Segue a maifestação. Ânimos exaltados, Palavras de ordem, Xingamentos, Indignação profunda. Sob o olhar atento do policial, A juventude quer revolução. E segue o bailado, Os bumbos soam nervosos, Os corpos se agitam no trajeto. Enquanto isso, muitos outros, Que vão se beneficiar, Estão apartados, nos apartamentos, Ouvindo Béla Bartók, Tomando chá de hortelã.
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PÉS
O pé do Abapuru
No pátrio solo sagrado, Firme. Os pés de Portinari, Na lavoura de café. Soa a sinfonia atonal do trabalho. Poderia o compositor fazer diferente?
Mas alguns preferem os violinos maviosos… Vão sustentar suas vidas, De classe média, No vazio entre o décimo andar
E o povo no chão.
52
ARTE PELA ARTE
Arte pela arte, Proclama o poeta. “A arte se volta para sua pópria linguagem”, Pontifica. É tão chic beber café expresso
Na pós-modernidade. Um dia ele cai doente, De tanta
Indiferença. Acorda! Teu mundo ruiu!
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PECADO
No mundo islâmico a história é outra, Juros não se cobram, é pecado. Aqui, no mundo das confrarias. É a regra, a lei. Mundo pecaminoso…
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TORCIDA
Se você sempre torceu pelo vilão, E amava a rainha má, É hora de termos uma conversa… (você não gosta da indústria cultural)
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CALOR
Sabor de língua na língua, Alvos doces dentes, Pérolas, Mordiscam o lábio inferior. Vinho branco
Vertido nas taças, Champanhe vertida no colo, A boca agora percorre
O riacho espumante
Que corre pelo outro corpo. Calor de setembro. Degelo de primavera
O vinho que corre faz florescer
Margaridinhas.
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ARTISTAS E FILÓSOFOS
O artista forja a lâmina que reluz. Dobra, martela, redobra e novamente bate
No metal incandescente
(reminiscência de um verso de trinta anos atrás
Alcança-me agora). O artista risca o plano, Compõe aço e vidro. O filósofo, cheio de inveja, Enche o copo
Do melhor licor. E improvisa uma melíflua filosofia. Vontade de potência, quer ser Dioniso.
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NEOGÓTICO
Clara luz da lua
Entra pela janela. Vento suave sopra
Nas finas cortinas. Contra o disco lunar
Voa uma ave, A coruja surge
Urge ser aquela coruja. A cornija neogótica empalidesce, Pouso suave para o poeta perdido.
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VIDA
A vida vale
A pena vale
A vida. Num rondó minimalista, À vista a terra nua. O solo exposto, Arado. A vida vale
A semente vale
A semente é pena. A vida é pena.
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EXAUSTÃO
O poeta irado
Esmurra a mesa, Insone. Qual verso?
O poeta é velho, O copo sobre o criado mudo. Ergue-se, Quase tomba, Arrasta-se até o banheiro. Olha-se no espelho da pia, Não vê a velha juventude. O poeta definha, Exausto de poesia
E mágua.
60

NEOPAGÃO
A cidade acende suas luzes, Do sobrado antigo soa uma guitarra. Acima, céu e estrelas de Van Gogh. Ao redor do músico, o tráfego incessante. Querem leiloar a casa. O velho viking
Distorce o calor. Em neves norueguesas, Clama a seus deuses, atrozes. Promete-se a guerra e o saque, No mundo urbano perdido.

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