copyright 2023 by Ermesto de Souza Pachito

PREFÁCIO DO AUTOR
Este é meu quinto livro de poesia, ou pelo menos, o quinto livro em que constam
textos poéticos. No presente livro procurei explorar alguns fatores que caracterizam a
poesia, como o jogo de sonoridades que conferem concretude ao texto. Mas a partir de
dois terços do livro, busquei também um esmero na confecção da imagética do poema
e busquei a substantivação como recurso para a materialidade dos textos. Mas este é um livro mais fluido, conforme se lê em Música Líquida, em que a teoria
implícita a estes poemas é revelada. Espero que o leitor aprecie esta pequena obra, escrita depois de uma hiato de nove
anos sem escrever, nem publicar, poemas. Sigamos, pois o curso deste rio.
8
9
EU, GAGO
Ao que parece, segundo Nietzsche, filosofia é um tipo de música. Se poesia é um tipo de filosofia, segundo eu mesmo, segundo Nietzsche e eu, poesia é um tipo de música. Como o poeta gago, eis que, no possível, (é melhor fazer uma canção, disse Caetano)
fiz-me. Gago, eis como nasci. Com estas linhas, bom naco de tédio, distraí.
10
QUEM SOU, AGORA
As notas, e eu, notário. Pressiono contra as costelas, por baixo do braço, a pasta com títulos (de outrem). Com eles jogarei:
fluxo de caixa, mais lucro, dividendos, etc. Noves-fora, o que sobra?
Sem dó, ré, ou mi, amanhã cobrarei uma hipoteca.
11
E FUI DE ENCONTRO AO MAR
E após ouvir o canto de Dylan Thomas, em inglês no tube, fui de encontro ao mar. Torno à onda que retorna e entorna-me um verso. Abrem-se a concha e a pérola. Teimoso, mantive-as longe. A promessa de um caderno de notas, prometendo-me, Prometeu, tábua de flutuação
para dentro de agora e aqui.
12
FLUTUO PARA O AQUI E AGORA
Numa tábua, como em simulacros (no outrora, velhos surfistas
em seriados cômicos
desciam ondas de celofane
na tela da TV), cavo-me. No ventre um vácuo de iogue, desço (drop)
ao ponto fixo.
.Sem pensar, sem mentir. Sentir o apogeu de prana, o sopro Todo-penetrante.
13
ECONOMIA DA LIBIDO
Entranho-me na estranha
economia da libido, microfísica do linguajar, onde canto chistes. Busco encaixe e cópula
de uma composição férrea
que eu ponha a mover-se em sacolejos, retintas notas de cor, tintos sons de metal.
14
NÃO, NÓS NÃO VAMOS MONTAR UMA BANDA
Apontando para o coração do sol, rock and roll. E os garotos na ditadura. Na sua ilusão, quantas notas foram tiradas…
Mais vale tirar os contos
de dentro da garganta, como se tivesse um sax. Notas tiradas dos bolsos, discutindo na loja qual melhor instrumento. Guris de camiseta preta, Butique?
Mas, para que detê-los?
Vou detê-los?
Foles sem gaita. – Mas, tu foste um deles!
Não fui o redentor do patético, sempre tosco, agricultor sem glamour, nunca tive a pele lívida e os dedos delicados
dos seres luciferinos. Pálidas lua e estrela na manhã
(símbolo arcano), Nunca tive afinidade com cisnes.
15
NO MAR ENTRANHEI-ME UM POUCO
No mar da velha vila, entranhei-me um pouco, como que apontando uma tarrafa
para a margem de um igarapé
que entrasse comigo pelo continente. Minha rede, de fato, capturava imagens do casario, detalhes, trejeitos das construções. Visadas de pedras e montanhas
nos pontos de fuga das vias.
16
SER MÚSICO
Ser músico é coisa muito específica, enquanto as palavras acotovelavam-se no dicionário
ávidas por sair, eu me despedia, deixando-as trancafiadas. Eu me despedia caminhando para longe, para um limite distante, eterno arco-íris da perfeição, O fonograma exato. Paro aqui esta botica, a fábrica das canções tortas, esta loja de supostas maravilhas musicais. Talvez um dia.
17
MAS, TALVEZ SE MONTE UM REGIONAL
Mas talvez se monte um regional, para tocar Garoto. Flauta, pandeiro e sete cordas, observando as casas de Santo Antônio, bairro batuta de bambas.
18
MAS NÃO RECLAMEM ASSIM, TALVEZ SE TOQUE UM ROCK DO QUEEN
Mas, não reclamem assim, talvez se toque um rock do Queen, ou qualquer outro. Ou trilha de cinema. Pensava eu em Gustavo Capanema
e Carlos Drummond, poeta e notário. Pensava no afazer. “Il faut”. O escritório de projetos, a sala das aulas. A bem da vaidade, ser Corbusier racionalista
inclui ser Ronchamps. Expressão.
19
MAS AINDA PEGUEI PENA E PÁGINA
Mas ainda peguei pena e página, diapasão tinindo
num vácuo interior pensado. Dó?
Extrair do silêncio toda a orquestra?
Ou a charanga?
Faria isso o cidadão médio? Não!
Sempre ainda mais taoísta que eu, É a fina flor da sagacidade. Dentre tais, nenhum confessou sucumbir. Cada um com seus trabalhos, nunca de Hércules. O meu valerá?
Sim, agora o vejo. Revigoro-me:
reúno teses
que ensine. Mas, não agora. Enquanto respiro ou suspiro, cavo caverna e capa, sob música de piano.
20
NOVO SUMIDOURO
Sumidouro, vertedouro, ventre de ouro
põe. E some. No universo digital, perde-se a língua. A que pobreza chegamos!
No post perde-se a pena. Poeta põe. Última peça de resistência.
21
GUITARRA
Guitarra é faca, clarim é foice. O martelo percute, toca em frente. E o hino arremete-se em cunha, A cidade se levanta.
22
ESTRUTURA
A estrutura, ereta, risca o domo do céu. Presencia
a marcha. Pancadas nas fôrmas, no madeirame. articula-se o esqueleto robusto. Formigas carregadeiras
fazem cantar serras e polias. Amanhã tem assembléia. Devem parar.
23
VÉU DE VIOLINOS
Véu de violinos, céu do Parnaso, Ali flutuam rosas de rococó. Súbito o metal doce estilhaça, a forma se fende, trinca-se o cristal. Rompem-se as sucessões hereditárias, os legados e os cartórios dos poderes. A vanguarda é a ponta do iceberg.
24
MÉTRICA
Fita métrica, trena a laser, régua estrita, cânone, tala. Ortopedia do mundo.
25
DESCONSTRUIR
Ordem, desordem, os fios se organizam, Cosmo. Logo se desarranjam, Caos. E de volta ao início. Pulso. O Cosmo agora é curvilíneo, sem base, sem prumo, sem nível. Quebrou-se a ponta seca do compasso. Dada desenhou a máquina crítica. Satírica, inútil, rocambolesca, útil também. Dioniso implanta seu (des)regramento. Ele joga varetas
e de novo e novamente.
26
MÁQUINA PÉLVICA
Máquina pélvica. Um eixo empenado, uma biela solta, um rolamento que agarra. Máquina pélvica, máquina reumática. Treme, tremeluz, resistência, fósforo. O último sexo.
27
O APELO
Não recuse a vocação, o homem encontra sua verdade
na obra silenciosa, palavras sem palavras
matemática perfeita, escultura, escuta, mas de quê?
Espaço vazio, tempo morto, templo de outrora, ruína vazia, o piso de mármore antigo, colunas e paredes cobertas com hera, história sem narração, sepulcro aberto.
28
PLANTAÇÃO
A plantação se implanta, aterrissa no terreno, conforma solo e espaço, pinta de manchas amarelas de poncãs
a espaços regulares
(como numa tela de Monet)
o verde outrora profundo, disforme. A plantação é o Apolo da terra. Métrica.
29
O TORNO E A RETORTA
A oficina e o laboratório, o torno e a retorta, o aço e o ácido. A arquitetura a partitura traça. Fez-se a peça. O ferreiro malha o vocábulo, o discóbulo arremete
o não-identificado objeto
dos mistérios.
30
PÁTINA
A pátina verde sobre o bronze da idade, as areias erodem os pés da esfinge, a selva invade Angkor Wat. Assim se passa o tempo, o livro de arqueologia dorme junto ao dono, onírico domo, dossel
do filho do funcionário.
31
A CRIANÇA E A GUERRA
Eis que veio a guerra, Os bombardeiros zunindo sobre Londres, sobre Berlim. O sabre do comandante feito de chumbo, os pequenos soldados tombam com a vibração, as bombas que descem
sobre a casa da criança que fita o teto. As paredes do quarto
forradas com papel
ainda permanecem, azuis. Wendy e Peter Pan ainda vivem?
O poder cria suas estórias.
32
A APRESENTADORA
Na televisão a apresentadora degusta
ao vivo. Fecha os olhos, suspira, sorve. Na televisão a apresentadora come. Quem mais come?
Na televisão oferecem ações, aplicações, títulos da dívida
(chovem ofertas). Al sugo, ao molho pardo, quem mais suga?
33
POESIA LÍQUIDA
Sobre as pedras das consoantes
(calculi)
as vogais escoam. Riacho.
34
A PERDA
O astrolábio nas mãos do sábio. Determina-se a estrutura:
terra sobre os ínferos, céu sobre terra. Mais fora, o paraíso. Estampados no céu, os astros. Tudo era pacífico, ainda estavam surgindo os burgueses, depois de séculos de teocentrismo. Judeus, árabes, ibéricos, italianos, surgem o capital e o instrumento
da ciência empírica. A partir daí, nunca mais.
35
OS QUATRO CANTOS
Qual o canto da forma?
Qual a forma nos quatro cantos
e na pedra fundamental. Com fio esquadreja-se
O cubo e a obra.
36
MÚSICA TRÔPEGA
Ribomba o bumbo arterial, a bomba arrítmica
em compasso ímpar. A música em andamento trôpego
retumba. Retinem ferros
em dança elefantina. Ressoam sopros em tubos, As fibras tesas cantam. Tudo ao mesmo tempo. Sincopado, tomba apoplético o velhor senhor.
37
ATO
Atire a poesia na vidraça.
38
O REINO DOS TEMPLÁRIOS
O império dos sumérios
habita o princípio. Os alienígenas de Nibiru
criaram o homem em engenharia genética… Intrincado labirinto do tempo. As provas, se existem, são contrárias. A informação, verídica (o que é isso?)
ou não, põe em estertores os acadêmicos. A América inaugura sempre
a “ciência” popular, ficção científica, ciência fictícia… Entropia do saber, Nada obsta. Américas, reino dos templários, sua quinta, seu quintal. (Delícia, lembrar a adolescência
e seus contos e revistas… Mas não é só isso…
39
A classe média se lambuza
entre as encadernações)
Pós-moderna crepuscular época, resto, resíduo, a raspa do tacho.
40
LENDA URBANA
Na franja do crepúsculo
surgem luzes circulando. Na aurora deslizam, cruzando-se. O mundo espreita
por debaixo do cobertor.
41
REINO DOS ZUMBIS
Apocalipse da informação, holocausto dos signos. Inteligências em extinção, no ritmo rápido das invenções. A matéria restará, a mente, não. Reino dos zumbis. Drogas, computação, virtualidades. O ensino estará num impasse
ainda maior. E não tarda.
42
OS NOVOS BEATNIKS
Por o pé na estrada, não é mais um valor. Virou assunto de biólogos, arqueólogos e outros off road. O jogo simula a pista. Os novos beatniks não saem do quarto.
43
RESTINGA
Areia, restinga, planta rasteira, flor
de praia. Folha carnuda, suculenta, provável veneno, mas bela. Restinga é fronteira, limiar
(cactácea). Passo para outro ponto, portal. A restinga é nosso deserto.
44
PASSAGEM
Passo para dentro
do centro do portal. Núcleo vazio, amêndoa, fava. Cruzo
a dimensão vazia, Castañeda o faria
com mescal. Boto o pé
no transe, delírio paranóico, dizem, onde tudo, até a folha que cai, se refere ao eu. Piso em nuvens. Súbito volto, comprimido
no real
45
IDIOSSINCRASIA
Ninguém suporta
a vila estreita, varrida no vendaval. Mas só a alguns é dada a visão. Os dentes de todos têm sal. Afiados, no arfar se mostram. Copland compôs a fanfarra
para o homem comum, certamente eu não o faria:
aristocracia, idiossincrasia, A força do um.
46
ENTRE BENJAMIN E HEIDEGGER
Aranhas, maritacas, ácaros, no areal. Pessoas. A experiência premente
(Erfahrung que marca). A presença vincada
(Dasein)
num risco de ponta
de punhal.
47
NOVA MUSA
O poeta à flor da página, o caderno é pétala. A musa, flor de marfim, distante, oclusa. a pele do corpo incólume. Invicta
na tela do computador.
48
JORNADAS GUIADAS DE SOL A SOL
Jornadas guiadas de sol a sol, na trilha. Na escalada
sobe-se ao pico dos batimentos. Quem sustentaria, por muito tempo, o ritmo?
O metrônomo, o cronômetro, o relógio de ponto
exigem afinco. Ou mais, o sacrifício ao ídolo sem face. Sobe-se à capela, testemunha. O índio escravizado subiu, carregando pedras. Guiado, O verso sai na lavra
das minas. Quem guia:
Deus dará.
49
MAGROS
O poeta é magro, o profeta é magro, o filósofo, esse então é magérrimo. Qualquer coisa entre Visconde de Sabugosa e Quixote. João Batista em pele de camelo. O fim não é bom.
50
PAT METHENY
Ali, no fim da restinga, tem sambaqui. Em outro lugar, pedras, uma outra trilha. Um canyon, caminho de rio
torto, gauche. No alto do paredão, um xamã hiperbóreo vi, com um aparelho, em posição de lótus, ouvindo Pat Metheny.
51
RETIRADO
Deixa-me ser fraco, findo, retirado deste mundo, com tremores
e meias nos pés. Reserve-me o canto do condomínio, aquele banco
e o jogo de baralho. Aqui me faltam os morros, a Pedra dos Olhos. O vento
varre a areia.
52
CLASSICISTA
Mas eis que ouço um acorde
de flauta, clarinete e oboé, textura límpida, classicista, mozartiana
(Lembrei-me do Virgílio
que separei para ler). Uma distância aérea de tudo que perece. Grega ou egípcia forma, pintura metafísica. Sobrevôo.
53
O LUGAR DA MATÉRIA
Mas toda metafísica pode dar lugar, nem que seja num átimo, ao concreto. Eis que ganho a rua, o cheiro a diesel do lotação, a lona suja do caminhão, (quando viajava para o norte de carro, o cheiro das carvoarias)
trazem-me ânimo. Mas nem tão futurista. O mundo das coisas, As coisas são as coisas. Não há coisa-em-si. As coisas são feitas de partículas. As partículas e suas interações
não têm nada em si. São o observável, ou o acusado nos laboratórios. A coisa: a poeira na lona do caminhão, a classe em luta.
54
CENA
Tronco, casca de árvore, líquen, galho, folha. Viga de madeira encerada. Tablado, tatame, espada de madeira, esteira de palha. Lanterna de papel, pipa. Flor, cerejeira. Kimono, seda, coxa, peito, cabelo preto, cena.
55
O ESPÍRITO NAS COISAS
Anima a pedra, o papagaio e o pintassilgo. Anima tudo, o todo, o fogo na água. O céu no fogo, a chuva. Areia encharcada, argila, homem. Qual o sopro nas narinas?
(só as nuvens cósmicas). Já nasce, morre, pasto da bactéria, renasce qualquer
coisa.
56
DE VOLTA A ESQUADREJAR
De volta a esquadrejar, estico a linha, na proporção áurea
(sem gnose). Atena Nike desata (ou ata?) a sandália
no friso de seu templo, na Acrópole. O vestido de mármore
deixa entrever o ventre
feito da mesma peça de mármore. A síntese entre a linha e a coisa.
57
ALDEIA
Na costa da noruega
vicejam aldeias vikings. No dia-a-dia, trabalhos à mão. As tranças da pequena, a barca, artefatos de guerra e pilhagem. Irmãos, Thor e Odim, olhai por mim.
58
O COMBO
Dimensão vertical:
na base, o contrabaixo ponteia, no centro, piano e cordas dedilhadas, no topo o sopro, no miolo também a voz. Dimensão horizontal:
a bateria nos abraça como um polvo, nos quatro cantos. Assim os homens formam um combo. Quando a largada é dada, move-se frenético o dinossauro
das remotas eras do jazz.
59
RUBOR
O alienígena espiou a Terra. Ruborizou.

ECO
Do que foi dito, nem sobrou um eco, nem um traço
do que aprendemos

60

Deixe um comentário

I'm Emily

Welcome to Nook, my cozy corner of the internet dedicated to all things homemade and delightful. Here, I invite you to join me on a journey of creativity, craftsmanship, and all things handmade with a touch of love. Let's get crafty!

Let's connect